Artigos

data da publicação: 05/010/2011

Reflexões sobre as possíveis causas  do fracasso escolar em matemática no 6º ano do Ensino Fundamental

Autor: Prof. Me. Silvio Gomes Bispo
Diretor da EE Esmeraldo Soares Tarquínio de Campos Filho

            O Ensino de Matemática passa por mudanças em todos os documentos oficiais. Apesar das indicações legais, na prática de muitos professores, é um trabalho na perspectiva de exposição, exercícios e provas, perdendo a definição da palavra que compõe ‘matemática’ qual seja: MATHEMA – pensar e TICA – técnica. Logo, etimologicamente, ensinar Matemática significa ensinar a pensar, porém o que vemos é bem diferente e este tipo de ensino - sem pensamento ou sem reflexão - está levando ao fracasso escolar continuado.
Sabe-se que na escola ensinar matemática ocupa um espaço significativo na formação dos alunos de séries iniciais, pois cerca de 20% do currículo escolar são utilizados na aprendizagem de matemática, entretanto, os resultados daí obtidos são bastante ruins. Além disso, o componente curricular matemática é capaz de significar grande incidência de reprovação e de abandono da escola. Essas informações refletem a quem tem servido o tipo de ensino usual de matemática e, logicamente, os resultados insatisfatórios dos alunos.
            Procurando refletir sobre o processo ensino-aprendizagem de Matemática trataremos das metodologias de ensino propostas e com freqüência adotadas em grande parte das escolas.

MATEMÁTICA TRADICIONAL
Sabe-se que os pensadores matemáticos da Grécia Antiga faziam parte de uma elite forte e de uma hierarquia em que a democracia era privilégio de poucos, uma vez que mulheres e escravos eram tratados como sub-raça, como cita Machado (1987:11):
...Na sociedade grega o trabalho dos escravos fácil de se obter e cujo rendimento não importava melhorar por meio de aperfeiçoamentos técnicos, permitia à elite dirigente um alheamento da realidade concreta. Esta estrutura social imprimiu um caráter original à matemática grega, onde acentuado era o desdém pelas aplicações práticas.[Grifos meus]

            Nessa concepção inicial de ensino de matemática, esta ciência era tratada como um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo, sendo capaz de mostrar que a verdade é necessária e universal em seus enunciados e resultados não deixando dúvidas. Tinha como princípios as definições, os postulados e as noções comuns (axiomas). 
            Porém, os primeiros indícios da construção do conhecimento matemático de uma forma experimental ocorreram com os povos egípcios (2500 até 320 a.C.) e babilônicos (1800 até 600 a.C.). Esses povos usavam a matemática para resolução de problemas práticos geralmente ligados ao comércio, ao cálculo de impostos, à construção de casas. Essa divergência conceitual levou nesta época a dividir a matemática em dois estilos, uma matemática formal e outra matemática utilitária. D’ Ambrósio (1996) explicita essa divisão ao referir-se que Platão distinguia claramente uma matemática utilitária, importante para comerciantes e artesãos, mas não para intelectuais, para quem defendia uma matemática abstrata, fundamental para aqueles que seriam os dirigentes, a elite.
            Este tipo de visão da matemática que implica um ensino abstrato sem vinculação com o cotidiano, que acredita numa ciência de especulação intelectual, não mantendo qualquer ligação com o cotidiano, sendo desenvolvida apenas por um pensamento idealista, se apresenta na prática de muitos professores. É justamente essa a visão que leva muitos alunos ao fracasso escolar.
            Além desta forma de conceber o ensino de matemática que se apresenta dominante, temos ainda como agravante da situação de ineficiência do ensino e da aprendizagem desta ciência, a falta de preparo dos professores que utilizam grande autoritarismo e dogmatismo para impor sua visão, proporcionando às pessoas aversão por esta disciplina. Lima (1995:4) considera que tal situação advém do fato de o aluno passar os anos escolares nas mãos de professores incapazes que muitas vezes usam a arrogância, a ironia e a humilhação como disfarces para sua ignorância e com isso provocam a aversão à matéria que deviam ensinar.      
            Como esta prática está arraigada na forma de professores apresentarem conteúdos matemáticos, criam-se ressentimentos, como no caso de o professor solicitar aos alunos que prestem atenção para raciocinarem juntos, porém faz todos os procedimentos que os alunos devem adotar e oferece as respostas antes dos alunos começarem a pensar. Para justificar posturas como essas, os professores dizem, com freqüência, que os alunos das escolas públicas por serem pobres não têm condições de aprender.  
            Além disso, os professores costumam apresentar procedimentos didáticos como o seguinte: numa postura mecânica e autoritária supõem “dar” o conhecimento matemático aos alunos numa relação centrada em si ou na matemática em que só o professor ensina e só o aluno aprende. Neste tipo de ensino chamado de tradicional, os fatos são apresentados de forma ilustrativa, com uma mesma forma verbal, pronta e repetitiva, com o intuito de imprimir uma aprendizagem com base na reprodução memorativa. Este tipo de ensino tem vigorado no Brasil desde os jesuítas. Na década de 70 supôs-se que havia sido superado, mas tratava-se de um ledo engano.
           

MATEMÁTICA MODERNA

No início dos anos 70, vem para o Brasil um movimento chamado de ‘matemática moderna’ que veio como substituto da ‘matemática tradicional’. Esta forma de abordagem do conteúdo matemático no ensino ainda tem estado presente em livros didáticos atuais.
É interessante observar o que dizia a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional N. 5692/71 (p.171) sobre o ensino na perspectiva desta matemática moderna:
... Esse assunto tem dado oportunidade a muitas polêmicas, a nosso ver estéreis. Pensamos que todo problema se resume na infeliz escolha do nome: Matemática Moderna. A Matemática não é moderna, nem clássica, é simplesmente a Matemática. Ocorre que, como muitas outras ciências, ela experimentou nos últimos tempos uma evolução extraordinária, provocando uma enorme defasagem entre a pesquisa e o ensino da matéria. O que deve ser feito, e isso é importante, é uma reformulação radical dos programas, para adaptá-los às novas concepções surgidas, reformulação essa que deve atingir as técnicas e estratégias utilizadas para obtenção dos objetivos propostos. Nessa acepção, achamos que o movimento que levou a uma orientação moderna no ensino de Matemática é irreversível (sic), no sentido de um maior dinamismo na aprendizagem da mesma, em contraste com a maneira estática como era apresentada. Sentimos, portanto, que a orientação dada a um curso de Matemática deve ser moderna e, para isso, é necessário que se dê ênfase, no estudo da matéria, a certos aspectos que visam destacar a indiscutível unidade da matemática, mostrando-a como uma construção única sem compartimentos estanques. Dentre esses aspectos, gostaríamos de evidenciar dois deles, que consideramos de importância fundamental: o papel central desempenhado pelas estruturas matemáticas, estruturas essas que podem ser evidenciadas no estudo dos campos numéricos bem como na geometria, e o importantíssimo conceito de relação e, mais especificamente, o conceito de função, que pode ser abordado não só no estudo de funções numéricas, como também no estudo das transformações geométricas. Além disso, é de importância primordial destacar o papel do raciocínio matemático.

      A Matemática Moderna nessa concepção estava inserida numa política que buscava a modernização econômica e desta maneira foi colocada como “linha de frente”, ao ser considerada via de acesso privilegiado para a ‘ciência moderna’.
      A Matemática, nessa visão, possuía uma lógica, compreendida a partir de estruturas que ofereciam um papel fundamental à linguagem matemática. Apesar dos problemas de ensino e de aprendizagem decorrentes da matemática moderna, esta foi importante no sentido da pesquisa de novos materiais e métodos de ensino.
Apesar da clara necessidade apontada pela Matemática Moderna de se sair do ensino tradicional, esta forma de ensinar matemática possibilitou que se evidenciassem distorções em seu âmbito acarretando os seguintes problemas:
• A teoria dos conjuntos é tomada como base para a introdução de conceitos, tais como número cardinal, adição de números naturais, múltiplos comuns e outros. O recurso a esses elementos não tem uma função essencial para esclarecer os significados desses conceitos no nível de ensino considerado; ao contrário, obscurece esses significados com um formalismo precoce e desnecessário. Abstrações como ‘conjunto vazio’ e ‘conjunto infinito’ são inadequadas para o Ensino Fundamental.
• A desvalorização da geometria é perceptível através de textos que não apresentam articulação desta com os demais conteúdos, reduzindo-a a definições de formas geométricas e à apresentação de fórmulas.
• O ensino das operações com números naturais se dá por meio de treinamento de técnicas operatórias.
• A formalização precoce das propriedades estruturais das operações.
• O tratamento desarticulado de tópicos inter-relacionados.
• A ausência de explicitação da lógica subjacente aos processos matemáticos.

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
O saber pensar matemático certamente se dará quando a matemática for trabalhada de forma criativa, crítica e contextualizada. O ‘o que’, e o ‘como fazer’’ precisam ser repensados tendo-se em vista o ‘para que’ e o ‘quando fazer Educação Matemática.
Todos sentimos, no nosso dia-a-dia, que há mudanças profundas em toda a sociedade: nas relações trabalhistas, sociais, éticas, religiosas e, como conseqüência, na relação Escola-Sociedade. Para que esta transformação aconteça de uma maneira humana, justa e democrática, precisamos de cidadãos conscientes, críticos e inovadores e não apenas de mão-de-obra qualificada.
Nesse processo, o professor é chamado a proporcionar condições de ocorrência das mudanças desejáveis e imprescindíveis, buscando preparar seus alunos para toda essa transformação. Porém, antes de tudo, o professor precisa estar preparado para tanto.
A situação usual dos professores perante a mudança social é comparável a uma cena envolvendo um grupo de atores vestidos com um traje de determinada época do passado, em relação aos quais e à cena, sem qualquer prévio aviso, se muda o cenário na metade do palco, desenrolando um novo pano de fundo sobremaneira diferente do cenário anterior que contrasta e se torna grotesco. No dizer de Vasconcellos (1996:33), o problema reside em que, independentemente de quem provocou a mudança, são os atores que dão a cara. São eles, portanto, que terão que encontrar uma saída honrosa, ainda que não sejam os responsáveis.
Em virtude dessas mudanças no contexto histórico-social, disciplinas como história, geografia, português e literatura, oportunizam aos professores uma freqüente atualização de conhecimentos e embora estas disciplinas ainda deixem muito a desejar com relação a propósitos político pedagógicos, tem havido progresso e aceitação geral da importância disto. Porém, como observa D’Ambrósio (1997:87), em matemática ainda há muita incompreensão a esse respeito.
 A Educação Matemática propõe algumas reformas no âmbito do ensino e da aprendizagem que são principalmente as seguintes:
- Enfatiza o direcionamento do ensino fundamental para proporcionar aos educandos competências básicas e de forma não-propedêutica;
- Procura fazer com que o aluno tenha um papel ativo na construção de seu conhecimento;
- Enfatiza a Matemática pela Resolução de Problemas partindo do cotidiano dos alunos, além de correlacionar a Matemática com outras áreas do currículo;
- Mostra ao aluno a necessidade de compreender a importância do uso da tecnologia.
Apesar de propostas como essas visarem a melhora do aprendizado de Matemática pelos alunos, o que continuamos a confrontar é um ensino que determina o fracasso continuado dos alunos.

   O ENSINO DE MATEMÁTICA VISA
A EXCLUSÃO OU A  INCLUSÃO SOCIAL?

A pergunta que faço apesar das mudanças é justamente esta: para que se ensina matemática para excluir ou incluir pessoas numa sociedade em transformação?
Que matemática é essa que está desvinculada da sociedade no ensino que é desigual ?!?!.
Observamos que a ciência se desenvolveu de forma assustadora, a tecnologia tomou conta do mundo, o Brasil tornou-se uma potência na economia, porém, apesar de toda a evolução econômica o que ainda vemos é um País em que poucos têm muito e muitos nada têm.
            Nas décadas de 60 e 70, acreditava-se que para promover a justiça social era apenas necessário que se oferecessem condições de acesso e permanência a todos na escola e lhes garantissem condições de trabalho; assim, conseguiríamos superar as “desigualdades sociais”.
            Essa é uma visão ingênua da escola, pois sabemos que - embora haja acesso escolar em grande parte do Estado de São Paulo - é duvidosa a permanência e o sucesso dos ingressantes. O que vemos, na verdade, na escola, é um número muito grande de matriculados que, na maioria das vezes, saem da escola ou porque entram no mercado de trabalho ou porque são excluídos dela própria devido ao tipo de aula recebida e ao tipo de processo em que foram envolvidos nela.
É fato que muitos alunos da escola pública não recebem qualquer preparação para o mercado de trabalho, além de terem aulas completamente desvinculadas do seu cotidiano, o que os leva justamente a questionar a sua necessidade em estar na escola.
Outro fato importante é que o modelo imposto de sociedade leva os alunos a refletir sobre o que eles devem esperar da escola, já que muitas pessoas que têm formação universitária estão desempregadas, justamente numa sociedade em que o professor que deveria ser um exemplo de profissional bem sucedido, muitas vezes, é visto como um “ser menor” que sofre agruras pela profissão que escolheu. É lógico que esses valores que são inculcados acabam sendo ratificados pela mídia quando esta mostra e ratifica situações na tela da TV.
Com tudo isso, a escola ao invés de eliminar as injustiças sociais acaba por reproduzi-las, como ressalta Silva (1992:78), nos seguintes termos:

De uma forma ou de outra, o conteúdo escolar, o currículo da educação escolar, o currículo declarado ou implícito, o conhecimento oficialmente transmitido e as atitudes explicitamente cultivadas ou o conhecimento subjacente e as virtudes ocultamente inculcadas, tudo isso se torna agora problemático e problematizável.

E a matemática, o que tem a ver com isso? Tem muito a ver, pois o ensino de matemática, apesar das mudanças supostamente ocorridas da passagem da matemática tradicional para matemática moderna e em seguida para a educação matemática, mudanças ocorridas apenas no papel, a grande maioria das práticas de ensino tem sido feita somente através de ‘exemplos no quadro negro’, com  repetições várias do mesmo tipo de exercício. Ensinamos conteúdos que os alunos nunca irão aplicar na escola, discutimos - por incrível que pareça! - se devemos usar ou não ‘calculadora’ na sala de aula, enquanto já deveríamos estar usando computadores em todas as escolas públicas. Dessa maneira, reduzimos a prática pedagógica em matemática baseados no treinamento e na mera memorização, deixando de lado criatividade, questionamento, capacidade de argumentação e, principalmente, a capacidade de reflexão ou de raciocínio dito lógico-matemático.
Uma decorrência imediata – e cada vez mais alarmante - dessa forma de ensinar-aprender matemática é o fracasso escolar, pois esse fracasso não consiste apenas em ‘passar’ ou ‘reprovar’, posto que podemos ver, pela formação de ciclos na rede estadual paulista, os alunos na verdade receberem “promoção automática”. Isto advém do princípio de Promoção Continuada implantado a partir de 1998, que orientava pedagogicamente para que o aluno, ao obter avaliações insatisfatórias, fosse encaminhado imediatamente para recuperação paralela ou intensiva, mas na prática o que víamos/vemos é os alunos ao serem encaminhados para tal recuperação, não comparecem a essas aulas, uma vez que “nesses espaços  pedagógicos de retomada do processo de ensino e de aprendizagem” encontra-se o mesmo tipo de ensino que ele teve nas aulas regulares e que não lhe interessa nem o estimula. Isto significa que se busca, irracionalmente, “recuperar alunos” insistindo na repetição, intensificando a memorização dos mesmos algoritmos e das mesmas fórmulas mal sucedidas. Além disso, geralmente essas ‘aulas de recuperação’ ocorrem em locais completamente inadequados como pátios, refeitórios, cubículos e salas improvisadas, sem que se dê atenção às condições de ensino necessárias para a retomada imprescindível do ensino com alunos que precisam aprender.
  Além do problema estrutural apontado, vejo também o grave problema do ensino de matemática que decorre da ausência de quaisquer relações ‘da matemática com o cotidiano’, deixando de esta ciência ser tratada como linguagem, ou mesmo como instrumento de compreensão do mundo, nos termos de Freire (1998:26) quando diz: Não temo dizer que inexiste validade no ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou refazer o ensinado.
            O currículo de matemática encontra-se repleto de conteúdos sem significados tanto para o aluno como para o professor, conteúdos esses que exigem altos níveis de abstração e que não fazem a menor ligação ou sentido com a realidade dos alunos.
 Muito embora não acredite que devam ser ensinados apenas conteúdos que serão “utilizados no supermercado”, expressando uma visão pragmática de ensino, assumo que o aluno deve ter consciência ou entendimento do conhecimento acumulado pela humanidade. Contudo, esses conhecimentos devem estar contextualizados, de forma tal que o aluno possa saber de onde veio e qual sua importância histórica. Penso ser importante - e talvez imprescindível - trazer para as aulas de matemática as suposições, as argumentações, os sentidos e os significados efetivos dos raciocínios lógico-matemáticos.
            De outra forma, ao meu ver, os documentos oficiais – desde a LDB 9394/96 - colocam como objetivo principal a formação do cidadão, embora precisemos entender que cidadania é essa. A orientação expressa nos Parâmetros Curriculares Nacionais diz ser preciso compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, para tanto, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito.
            Observando um pouco mais atentamente essa orientação, vale pôr em questão que direitos e deveres são esses numa sociedade tão desigual, em que os dominantes têm o poder sobre os meios de produção, onde há controle da informação e das decisões políticas que estão sempre nas “mãos deles”.
            Então, se faz necessário refletir sobre a cidadania que estamos produzindo e que cidadania precisamos construir na escola, uma vez que a educação não é neutra e toda ação que desenvolvermos na escola tem implicação política.
            Desta maneira, acredito que o ensino de matemática deve favorecer a percepção da realidade pelos alunos na busca da construção de seres humanos mais críticos. Por meio da matemática podemos discutir e entender de política e economia, desde que se venha a ensinar formas de leitura compreensiva de jornais e revistas ou a oferecer uma leitura mais crítica da televisão, utilizando-se  gráficos, índices, além de proporcionar aos alunos oportunidades de entender certos aspectos das relações com a tecnologia.
            Venho enfocando o âmbito geral da matemática, mas considerando sob enfoque, mais atentamente, as séries iniciais da escolaridade, nas quais se evidencia claramente o fracasso, apontado em vários momentos. Isto passa a ser compreensível quando vemos que muitos professores trabalham na linha “arme e efetue”, deixando de desenvolver nos alunos sua capacidade de raciocínio, sua criatividade, tornando-os meros reprodutores de um conhecimento descontextualizado e sem sentido.
Esse fracasso é apontado nos resultados do SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica. Nesse processo avaliatório definiram-se os seguintes critérios, conforme podemos observar no quadro abaixo:

Quadro 1. Construção de competências e desenvolvimento de habilidades na resolução de problemas em cada um dos estágios para a 4ª série do ensino fundamental.


Muito Crítico
Não conseguem transpor para uma linguagem matemática específica, comandos operacionais elementares compatíveis com a 4ª série  (não identificam uma operação de soma ou subtração envolvida no problema). Os alunos nesse estágio não alcançaram o nível da escala do SAEB.


Crítico
Desenvolvem algumas habilidades elementares de interpretação de problemas aquém das exigidas para a 4ª série (identificam uma operação envolvida no problema). Os alunos neste estágio alcançaram os níveis 1 e 2 da escala do SAEB.


Intermediário
Desenvolvem algumas habilidades de interpretação de problemas porém insuficientes ao esperado para os alunos da 4ª série (identificam, sem grande precisão, até duas operações). Os alunos nesse estágio alcançaram os níveis 3 ou 4 da escala do SAEB.


Adequado
Interpretam e sabem resolver problemas de forma competente. Apresentam as habilidades compatíveis com a 4ª série (reconhecem e resolvem operações com números racionais, de soma, subtração, multiplicação e divisão). Os alunos nesse estágio alcançaram níveis 5 ou 6 da escala do SAEB.



Avançado
São alunos maduros. Apresentam habilidades de interpretação de problemas num nível superior ao exigido para a 4ª série (reconhecem, resolvem e sabem transpor para situações novas, todas as operações com números racionais envolvidas num problema). Os alunos neste estágio alcançaram o Nível 7 da escala do SAEB.

 Pelos dados obtidos observamos que 12,5% dos alunos estavam no estágio ‘muito crítico’, 39,8% estavam no estágio ‘crítico’, 40,9% estavam no estágio ‘intermediário’, 6,8% dos alunos estavam no estágio ‘adequado’. Contudo, não se encontrou ninguém (0,0%) no estágio ‘avançado’.
Dessa maneira, podemos perceber que as habilidades em Matemática dos alunos, geralmente, estão muito aquém do que seria esperado para um desempenho mediano e mesmo muito abaixo das esperadas para a 4ª série. Para se ter idéia mais clara, os estudantes são via de regra incapazes de calcular o resultado de uma adição de números naturais com três algarismos.
Nesse contexto de investigação para avaliação, percebeu-se ainda que cerca de 40% dos alunos pesquisados desenvolvem habilidades que os caracterizam no nível de alunos de 2ª e 3ª séries do ensino fundamental, pois resolvem problemas do cotidiano envolvendo apenas pequenas quantias de dinheiro.
Na busca de superação desta conjuntura, segundo o INEP[1], o caminho para a melhoria do ensino da Matemática nas escolas brasileiras depende, principalmente, da melhor capacitação dos professores. É crucial que eles estejam bem preparados, e isso significa dominar o conteúdo daquilo que deve ser ensinado e conhecer as melhores estratégias para o ensino. Nestes termos, para os sistemas de ensino, seria essencial aproximar a pesquisa em educação matemática das séries iniciais.
Como se põe nesta afirmação referida acima, ao meu ver, o ensino-aprendizagem da Matemática não deve restringir-se à mera automatização de procedimentos. Os alunos precisam ser incentivados a resolver um significativo número de problemas, raciocinando principalmente sobre situações do cotidiano da realidade na qual se inserem. As atividades pedagógicas, em sala de aula ou fora dela, devem promover a reflexão dos estudantes para render bons frutos na direção da formação cidadã desejada.



BIBILIOGRAFIA

ARROYO, Miguel G. Fracasso-Sucesso: o peso da cultura escolar e do ordenamento da Educação Básica. In: ABRAMOWICZ, Anete e MOLL, Jacqueline. Para Além do Fracasso Escolar, Campinas: Papirus, 1998.

BRANDÃO, Zaia et alii. O estado da arte da pesquisa sobre evasão e repetência no 1º grau no Brasil (1971-1981). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, V.64, nº 147, maio/agosto, 1983.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática – 1ª a 4ª série.  Brasília: MEC/SEF, 1997

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática – 5ª a 8ª série.  Brasília: MEC/SEF, 1998.

D’ AMBROSIO, Ubiratan. Educação Matemática: da teoria a prática. Campinas: Papirus, 1996.
____________________ Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 1997.

Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1998.

FERRARI, Alceu. Fatores escolares e não escolares do rendimento de ensino de 1º grau. São Leopoldo, Unisinos, 1975.

LADEIA, Carlos R,  O fracasso escolar na 5ª série noturna na visão de alunos, pais e professores. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação, Unicamp, 2002.

LIMA, Lauro de Oliveira. Mutações em educação segundo Mcluhan. São Paulo, Ática, 1995.

LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL – 5692/71.

LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL – 9394/96

LORENZATO, Sérgio A. Século XXI: qual matemática é recomendável? In: Zetiké, Ano I, n.1. F.E. Campinas: UNICAMP, 1993.

MACHADO, Nilson José. Matemática e Realidade, São Paulo, Cortez 1987.

MEC (Ministério da Educação e do Desporto). Doc. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), s.d.

MIORIM, Maria Ângela. Introdução à História da Educação Matemática. São Paulo: Atual, 1998.

PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. São Paulo: Cortez, 1985.

PIRES, Célia Maria Carolino. Currículos de Matemática: da organização linear à idéia de rede. São Paulo: FTD, 2000.

SILVA, Tomaz T. O que produz e o que reproduz em Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

SIQUEIRA, Etevaldo. 2015 –Aprendendo em qualquer lugar. 2004,

VASCONCELLOS, Celso dos S. Para onde vai o professor? Resgate do professor como sujeito de transformação. São Paulo: Libertad, 1996.




[1]Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, órgão do Ministério da Educação.

*******************************************************************************
data da publicação: 05/010/2011

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES E as práticas DE leitura NO PROJETO SÃO PAULO FAZ ESCOLA*

Profa. Me. Luciana Franco
Coordenadora Pedagógica



RESUMO
O trabalho trata da formação continuada no Programa São Paulo faz Escola, desenvolvido no Estado de São Paulo, o qual teve como objetivo aprimorar as competências leitoras e escritoras em todos os componentes curriculares. Traz resultados da pesquisa que investigou como se deu a formação docente para a atuação no projeto em pauta, e tomou por base os dados colhidos com professores do ensino fundamental e médio que participaram do projeto. Como referenciais teóricos foram utilizados os estudos de Ghedin (2005), Tardif (2002), Alarcão (1998), Santos (1998), e Imbernón (2006), no que se refere à formação de professores, além de Freire (2005), Soares (2006) e Kleiman (2006), que tratam de questões sobre a leitura. O estudo, de natureza qualitativa, analisou os dados obtidos com a aplicação de questionários e de entrevistas, cujos resultados apontaram que a formação para o trabalho com a leitura, apesar de ter sido aligeirada e impositiva, potencializou a integração dos professores para o desenvolvimento das atividades previstas.


 
Palavras-chave: formação continuada, práticas de leitura, Projeto São Paulo Faz Escola.

INTRODUÇÃO
Numa sociedade marcada pela cultura grafocêntrica, a leitura, o letramento e a produção de textos são elementos indispensáveis à formação de cidadãos críticos. Deste modo, a escola deixa de ser um espaço em que a aprendizagem se processa de modo bancário (FREIRE, 1996), cedendo lugar à construção dinâmica do conhecimento por meio da inserção do sujeito na sociedade, por meio  do estímulo à leitura e à produção escrita. Em que pese o empenho dos professores e o desenvolvimento de projetos na área da leitura, por parte das escolas, uma breve análise dos dados de avaliações externas como Saresp e Saeb apontaram resultados negativos em relação à leitura. Os indicadores de 2005 apontaram que 70% das escolas da região metropolitana do Estado de São Paulo encontravam-se em estado de atenção, considerando que os alunos das 1ªs e 2ªs séries concluíam o ano letivo sem saber ler ou escrever e, de acordo com os relatórios da Cenp, mantinham o mesmo índice no final do ciclo.


 



 
Na década de noventa, um dos grandes desafios da educação brasileira foi garantir que todas as crianças em idade escolar frequentassem a escola. Todavia, a garantia de acesso e permanência das crianças na escola, previstos pelas Leis Federais 9394/96 e 8.069/1990, não foi suficiente para assegurar a qualidade do ensino e a aprendizagem efetiva no que se refere à leitura. Os resultados obtidos no Saresp motivaram a oferta pela Secretaria Estadual de Educação de cursos de formação continuada para os integrantes do quadro do magistério, com vistas a melhorar a qualificação dos professores e, em decorrência, a aprendizagem da leitura. Foram, assim, oferecidos projetos vinculados às práticas de leitura para professores, em virtude dos indicadores externos, que denotavam baixos índices de compreensão da leitura, além das dificuldades dos alunos na produção e intelecção textual. Entretanto, apesar da proposição dos cursos de formação  continuada pela Secretaria Estadual de Educação, os resultados das avaliações continuavam apontando que os alunos tinham pouco hábito de leitura e apresentavam dificuldades na elaboração de textos.
A publicação do Relatório Saresp de 2005 sobre os índices de leitura e de produção escrita levou a Secretaria Estadual de Educação a propor algumas metas para solucionar a questão, as quais tinham como escopo a qualidade do ensino público. Assim, foi divulgado no segundo semestre de 2007 o Projeto São Paulo Faz Escola, voltado para as práticas de leitura, cujo projeto seria desenvolvido em duas fases, em todo estado de São Paulo, tendo seu início marcado para fevereiro de 2008.


 
Iniciada em 18 de fevereiro de 2008 e concluída em 30 de março de 2008, a edição especial do Projeto São Paulo Faz Escola foi um período de recuperação intensiva, realizada a partir da proposição de atividades integradas em dois grandes eixos: um, voltado à formação leitora, englobava as disciplinas de Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte, Filosofia, História e Educação Física; o outro, vinculado às competências lógico-matemáticas, envolvia as disciplinas de Geografia, Matemática, Química, Física, Biologia e Ciências, privilegiando a interpretação de textos para a resolução de problemas.
O Projeto São Paulo Faz Escola foi idealizado para funcionar como um programa amplo, voltado à melhoria de qualidade de ensino e, para tal, foram delimitadas algumas metas, como investimento na formação docente e profissional, proposição de um currículo unificado e o acompanhamento contínuo dos gestores no desenvolvimento das atividades intra-escolares. Como primeira ação, foi sistematizada a recuperação intensiva dos alunos, que ocorreu entre os meses de fevereiro e março de 2008, seguida da formação de professores e da proposta, uma matriz curricular unificada a ser difundida e trabalhada pelas unidades de ensino a partir da segunda quinzena de março de 2008.


 
O presente trabalho discute a implementação da primeira fase do Projeto São Paulo Faz Escola, pela SEE/SP, em 2008, e traz resultados sobre a pesquisa centrada na formação continuada de professores para o desenvolvimento de atividades relacionadas às práticas de leitura, e ao desenvolvimento da competência leitora dos alunos. A pesquisa, de cunho qualitativo, teve como objeto de estudo a primeira fase do Projeto São Paulo Faz Escola, conhecido nas instâncias escolares como a fase do jornal. Para a coleta de dados, foram selecionados professores que participaram da primeira fase do Projeto São Paulo Faz Escola.


 
A pesquisa, de abordagem qualitativa, foi realizada em dois momentos distintos e complementares: o primeiro exploratório e o segundo voltado para a pesquisa de campo. A pesquisa de caráter exploratório foi realizada com a aplicação de quarenta questionários, aos professores da rede estadual de ensino, em duas escolas estaduais da Área Continental do Município de São Vicente. Posteriormente, foram selecionados três sujeitos de pesquisa para as entrevistas, com objetivo de aprofundar as questões sobre o processo formativo dos professores durante a primeira fase do São Paulo Faz Escola e discutir aspectos vinculados à leitura e à escrita. No segundo momento, para a análise dos dados colhidos com as entrevistas, foi utilizada a análise de conteúdo de Bardin (2000, p. 42), que  define a análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise das comunicações que objetivam conseguir, por meio de procedimentos sistêmicos e práticos, a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens. Outro aspecto relevante foi a delimitação das categorias de análise de conteúdo que serviram de base para o processo investigativo, a partir do qual foi possível compreender algumas dimensões teórico-práticas do trabalho docente.



 
1. A FORMAÇÃO DOCENTE NA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE SÃO PAULO E A FORMAÇÃO DO ALUNO LEITOR

A questão da leitura não é uma preocupação nova nas políticas governamentais ou representa um tema inédito nos meios acadêmicos. Um dos pioneiros a tratar deste assunto, Paulo Freire atribuía à leitura ao ato de ler um caráter político. Para o autor, a leitura do mundo precede a leitura da palavra, e linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto.
Na sociedade atual, a formação continuada é inerente ao trabalho do profissional e, em específico nos termos do Artigo 61, da Lei 444/85, o Estado de São Paulo adota duas modalidades de formação continuada docente em serviço. A mais usual é a formação curta, semi-presencial ou a distância, realizada por meio de videoconferências,  palestras e orientações técnicas.


 
De acordo com Alarcão (1998), a formação docente deve contribuir para a produção da pessoa do professor, e é um lugar comum afirmar-se que a formação continuada deve centrar-se no professor, uma vez que além dos conhecimentos adquiridos nas instancias formativas iniciais, espera-se que o professor esteja em concordância com suas experiências e habilidades profissionais. Para Santos (1998), a formação contínua deve discutir o processo de formação do profissional docente. Em verdade, a formação é um processo ativo e com possibilidades de aperfeiçoamento crescente e contínuo. Do ponto de vista de Imbernón (2006), a formação do professor deve estar ligada a tarefas de desenvolvimento curricular, planejamento de programas e, em geral, melhoria da instituição educativa docente.


 
O Projeto São Paulo Faz Escola, na sua primeira fase, propunha como objetivo o desenvolvimento de hábitos de leitura em todas as disciplinas, cujas instruções estavam elencadas nos Cadernos de Orientação ao professor, material produzido especificamente para tal fim. As orientações compreendiam especificidades em relação às práticas, incluindo indicativos para desenvolver atividades com base na leitura de textos, questionamentos a serem propostos aos alunos, e  outras atividades de leitura. Nos jornais de ensino fundamental e médio, havia o predomínio de textos, mesmo nas disciplinas integradas ao eixo matemático, além serem indicadas algumas estratégias de pré e pós-leitura.
No ponto de vista de Kleiman (2006), todo professor é um professor de leitura, porque independentemente da disciplina que lecione, todos os docentes podem auxiliar o aluno no desenvolvimento de seus conhecimentos. Partindo deste princípio, a autora afirma que o currículo escolar deve fornecer subsídios para que o aluno entenda o mundo de forma não-fragmentada e, deste modo, sugere a proposição de projetos que integrem as diversas disciplinas e que, ao mesmo tempo, rompam com a fragmentação.
Em verdade, os indicadores de leitura apresentados no Saresp demonstram que as dificuldades discentes estavam centradas na dificuldade de localização de informações simples e interpretação de informações implícitas. No quotidiano, na maioria das vezes, a leitura resume-se à decodificação do código linguístico: o aluno consegue ler o que está escrito, mas tem dificuldades de fazer inferências ou associar as informações a outras que façam parte de sua realidade. No mesmo sentido, Freire (2005) aponta que a memorização mecânica da descrição do objeto não se constitui em conhecimento. Para Soares (2006), o processo de formação do leitor está intrinsecamente aliado ao letramento.


 




  1.  
    A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES PARTICIPANTES DO PROJETO SÃO PAULO FAZ ESCOLA 1ª FASE

Para o desenvolvimento da pesquisa, foi delimitada como campo de estudo a Região Continental do Município de São Vicente e, preliminarmente, foram aplicados quarenta questionários em duas escolas estaduais de ensino fundamental e médio. Num segundo momento, foram selecionados três professores de diferentes áreas para que fossem desenvolvidas as entrevistas, a partir das quais foi possível compreender suas percepções sobre o Projeto São Paulo Faz Escola. As questões preliminares, propostas em questionários semi-estruturados, voltavam-se para o ponto de vista dos docentes sobre a formação no período anterior ao desenvolvimento do projeto e, ao mesmo tempo, propunham questões teórico-práticas relacionadas à leitura.
Uma das questões da pesquisa buscou conhecer a percepção dos participantes sobre a formação para o desenvolvimento de práticas de leitura no Projeto São Paulo Faz Escola. Os resultados apontaram que, dentre os 36 professores que responderam ao questionário, 26 consideraram-na positiva, sendo que oito participantes não responderam a questão. Em relação aos cursos oferecidos pela SEE/SP dos quais participaram, mesmo que não estivessem relacionados à leitura, foram apontados como aspectos relevantes:  a troca de experiências e a possibilidade de interação com colegas de outras áreas. No entanto, nas questões relativas à relação teoria/prática mostram que há uma expectativa dos sujeitos em relação ao “fazer”, embora alguns considerem que a formação buscou propiciar a integração entre teoria e prática. Entretanto, algumas vozes expressam uma ideia contrária, já que na concepção de alguns sujeitos os cursos foram teóricos ao invés de práticos, conforme se expressou um dos participantes:
 [...] havia muita teoria, mas na minha opinião ficava maçante, pois eu esperava alguma coisa mais prática. Na minha opinião, a maioria destes cursos têm muita teoria e pouca prática.” (professor de Língua portuguesa 2)

A teoria e a prática, na visão de Ghedin (2005, p. 133), pode ser prejudicial, levando-se em consideração que “ a separação de teoria e pratica se constitui na negação da identidade humana”. O pesquisador explica que


 
 Quando se executa tal movimento permite-se o retorno a negação do ser, isto é, ao se negar a indissociabilidade entre prática e teórica, nega-se, em seu interior, aquilo tornou o ser humano possível: a reflexão instaurada pela pergunta. A alienação encontra-se justamente na separação e dissociação entre teoria e prática (GHEDIN, 2005,  p. 133).

Das respostas obtidas com os participantes da pesquisa, depreende-se certa insatisfação dos professores em relação aos novos saberes envolvendo a prática docente. Sobre os saberes docentes, Tardif (2002) afirma que “um professor de profissão não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é um agente determinado por mecanismos sociais”.  A prática, compreendida pelos sujeitos da pesquisa como aplicabilidade da teoria, não é condizente com o conceito de professor que organiza a sua prática e atribui a ela significados a partir da própria vivência.
No que se refere à leitura e aos cursos relacionados a ela, quase cinquenta por cento dos participantes (de disciplinas variadas) declararam ter participado de cursos vinculados às práticas de leitura nos últimos cinco anos, com destaque para o Ensino Médio em Rede e Teia do Saber. Com referência ao Projeto São Paulo Faz Escola, vinte e seis declararam ter participado da primeira fase e oito justificaram que não participaram porque atuavam apenas na Educação de Jovens e Adultos, que não teve um vínculo inicial da proposta.
Sobre o processo formativo para a implementação do Projeto São Paulo Faz Escola, os colaboradores apontaram que a formação foi realizada de forma muito rápida e insatisfatória, faltando, inclusive, acompanhamento, conforme expressou um professor: “Não foi muito boa. Os ATP´s não deram “conta” de acompanhar a aplicação da “Revista do Professor” em sala de aula. Faltou um acompanhamento pessoal para os diversos casos” (professor 5).
Na fala dos professores participantes do projeto, evidencia-se a visão de uma formação aligeirada, na qual predomina a informação, sem reflexão posterior. A falta de material também foi referida pelos participantes, o que os impossibilitou de aprofundar-se na proposta. 
Bem, eu participei da fase inicial. A direção informou aos participantes que seriam várias videoconferências, mas acabamos tendo apenas uma.  Então, foi apenas um encontro que nós tivemos, vários professores de várias unidades estavam juntos, representando suas escolas. A orientação sobre o São Paulo Faz Escola aconteceu por videoconferências, e nas videoconferências é que se apresentou para nós o projeto. O material ainda não estava pronto. Na verdade, nos apresentaram a ideia do projeto (E1).



 
Na questão que indagava sobre a possível contribuição para a melhoria das práticas de leitura em suas disciplinas, os entrevistados responderam de modo positivo, no que se refere ao trabalho com o aluno. Um participante ressaltou que a leitura deixou de ser responsabilidade apenas dos professores de língua portuguesa, sendo esta responsabilidade de todos, ao afirmar que: “Parece que a leitura deixou de ser responsabilidade só dos professores de língua portuguesa” (Professor 1)
A reflexão do professor é um dado positivo em relação às práticas de leitura propostas no Projeto, considerando-se que a leitura está presente em todas as disciplinas e que o professor de língua portuguesa é, na maioria das vezes, penalizado pelo insucesso de seus alunos quanto às deficiências de leitura, interpretação de texto e produção textual. 
Outro aspecto diz respeito às atividades a serem desenvolvidas em sala de aula e propostas no Projeto. Para um dos participantes da pesquisa, poderá acarretar a perda de autonomia do professor, tendo em vista o “colocar em prática” atividades que estavam prontas, conforme declarou um participante da pesquisa: “Perdemos nossa autonomia, principalmente com os Cadernos que vieram como imposição para aplicar com os alunos” (Professor 16).
Uma breve análise das atividades propostas nos Cadernos dos professores revela que as orientações didáticas para o desenvolvimento das atividades em todas as disciplinas continham imperativos que determinavam as formas de ação, direcionando sobre quando, como e o que perguntar aos alunos durante a leitura e a interação com os textos, numa perspectiva menos opressiva, além de que as orientações incluíam informações sobre o momento em que o docente deveria caminhar pela sala, a fim de tirar as possíveis dúvidas dos alunos. No caso específico da revista de língua portuguesa, o texto de apresentação chamava a atenção para a responsabilidade do professor na formação do aluno leitor, a fim de inseri-lo numa cultura letrada e, um dos aspectos tidos como relevantes, era o analfabetismo. No entanto, apesar de reiterar a necessidade da formação de leitores, o mesmo texto orientava que, quando o professor se deparasse com algum aluno com dificuldades de leitura e escrita (ou mesmo analfabeto), o aluno deveria ser observado, sem que houvesse uma proposta de ação.
Ao serem perguntados sobre a contribuição do Projeto São Paulo Faz Escola para a sua formação, uma das entrevistadas apontou aspectos positivos, principalmente pela proposição de novos materiais: “ o Estado pela primeira vez pensou que o aluno deveria ter um material impresso, feito especialmente para rede, que tinha por objetivo atingir e sanar dificuldades que já estavam sendo apontadas há muito tempo” (Entrevistado 1).


 
A mesma entrevistada enfatizou que a leitura era inerente a todos os componentes curriculares e, neste aspecto, na sua percepção, “o projeto foi muito válido porque fez com que todo mundo parasse e pensasse na leitura como responsabilidade de todos não só da disciplina de língua portuguesa” (Entrevistado 1).



 
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos aspectos positivos do projeto apontados pelos sujeitos da pesquisa diz respeito à reflexão sobre a leitura como responsabilidade de todos os professores e não apenas não da disciplina de língua portuguesa. Os dados obtidos mostraram que houve resistência, por parte ds professores, em relação à “imposição na utilização do material”, considerando que representou um impeditivo para integrá-los à proposta de leitura. Isso nos leva a pensar que o processo de formação é complexo e a formação baseada na “transmissão normativo-aplicacionista” de que fala Imbernón (2009, p.31), pode ser um complicador para o desenvolvimento do processo. 
Diferentemente de outros projetos promovidos pela SEE, que envolveram as universidades como instâncias formadoras, com encontros presenciais, o Projeto São Paulo Faz Escola, em sua fase inicial, teve como objetivo formar professores multiplicadores, utilizando tecnologias a distância e materiais criados especificamente para tal fim. Com a utilização de recursos e materiais didáticos, buscou aprofundar questões centradas nas situações de letramento e na leitura reflexiva.
No entanto, não se depreende das respostas dos participantes uma visão crítica em relação ao que o Projeto São Paulo Faz Escola significou para o sujeito enquanto espaço de formação, e que envolve construção, autoria e colaboração. Chama a atenção, também, o conceito dos professores participantes sobre a relação teoria/prática. Ao assinalar a dicotomia existente entre teoria e prática, destacaram a relevância da prática como um saber-fazer necessário à mudança da própria prática. De modo geral, podemos depreender, das respostas dos participantes, as seguintes questões:
a)      A formação continuada dos professores para as práticas de leitura priorizou aspectos teóricos (discussão de conceitos ligados à leitura) e práticos.
b)      A “aplicabilidade da teoria” parece predominar nas falas dos sujeitos, que também fizeram menção ao fato de no projeto, “as práticas virem prontas”.
c)        O tempo de formação e de preparação dos orientadores técnicos foi insuficiente para o aprofundamento da proposta.
d)     


 
Faltou interação entre os profissionais que vão trabalhar com a proposta na rede.


 
Os itens elencados acima correspondem a um leque de questões que incluem não apenas a questão pedagógica do curso e a formação continuada dos professores, mas também se estendem aos espaços de operacionalização da proposta do Projeto São Paulo Faz Escola. Retomando o conceito de Tardif (2002, p. 230) sobre o professor como ator competente, compreendido como um profissional que assume sua prática, observamos que, nas respostas dos sujeitos da pesquisa, foi priorizada a concepção tecnicista (o fazer), em detrimento da produção de saberes.
Esse aspecto é relevante para a compreensão da cultura de formação dos sujeitos que veem na educação continuada uma forma de buscar soluções para a realidade educacional por eles vivida. A educação continuada pode ser interativa, construtiva e envolver profissionais de diferentes áreas. Visto por este prisma, o Projeto Jornal Faz Escola contribuiu para ampliar os espaços formativos e a integração dos professores, quando priorizou o tema leitura, envolvendo todas as disciplinas.  



 



 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALARCÃO, Isabel. Formação reflexiva de professores in: VEIGA, Ilma Passos Alencastro e AMARAL, Ana Lúcia (orgs.). Formação de professores: Políticas e debate. Campinas, SP: Papirus, 2002.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2005.
GHEDIN, Evandro. Professor reflexivo: da alienação da técnica à autonomia da crítica. In: PIMENTA, Selma Garrido, GHEDIN, Evandro (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
Imbernón, Francisco. Formação permanente do professorado: novas tendências. São Paulo: Editora Cortez, 2009.
KLEIMAN, Angela. O Jornal e a escola: programas e projetos. Campinas, IEL Unicamp, 2006.
SANTOS, L. L. de C. P. Dimensões pedagógicas e políticas da formação contínua. In: VEIGA, Ilma Passos A. (Org.). Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas: Papirus, 1998.
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2006.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. São Paulo: Editora Cortez, 2002.

* Texto apresentado no XI Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores e I Congresso Nacional de Formação de Professores
 * Texto apresentado ao IX Congresso